Como Melhorar a Qualidade de Ensino em Moçambique?

21-12-2010 16:53

 

1.       POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE

Na nossa realidade quem define as políticas públicas é o Governo, através dos objectivos traçados no seu programa. Assim, o governo define no PNEEI[1] que tem como objectivo:

“Concentrar os seus esforços na realização de acções que resultem na garantia da Paz, estabilidade e Unidade nacionais, na redução dos níveis de pobreza absoluta, visando a sua erradicação a médio prazo e na melhoria de vida do povo, com incidência na educação, saúde, desenvolvimento rural e emprego … ; promover uma acção sistemática de educação moral e consciencialização cívica de toda a sociedade combatendo a delinquência, a corrupção e o parasitismo social, e garantindo a segurança pessoal e da prioridade dos cidadãos”. (PNEEI.1995.p.3/6).

Os dois planos a curto prazo têm a educação como a base fundamental para o desenvolvimento do capital humano, visto que estes são programas sociais de redução do índice de pobreza e de formação de mão-de-obra qualificada, devendo-se tomar em conta alguns factores necessários, tais como a definição dos objectivos e ainda, segundo Camargo citado por Gelinski, “o montante de recursos e as prioridades estabelecidas para garantir a abrangência das políticas”. (2008. p.235)

Para uma maior abrangência das políticas, o Governo afirma ter optado pela descentralização de decisões, a nível das instituições e a vitalização do poder local com maior autonomia para permitir uma prática activa da democracia. É assim o Ministério da Educação e Cultura, elaborou planos estratégicos para cada sector de formação tendo como base o Programa do Governo, como por exemplo, o Plano Estratégico para o Ensino Básico, Plano Estratégico para o Ensino Secundário Geral, Plano Estratégico para o Ensino Técnico-profissional, Plano Estratégico para a Formação de Professores, entre outros.

Segundo o mesmo documento, para a consecução dos objectivos traçados, o governo se voltará para a expansão da rede escolar através do ensino à distância orientada para a formação de professores, a promoção da participação feminina nos vários tipos e níveis de ensino por meio de mecanismos de incentivo curricular e material, o aumento do financiamento ao sector, a melhoria da qualidade do ensino através da reforma curricular, incentivo à actividade de docência, criação de um corpo articulado de inspectores e supervisores pedagógicos, da produção e venda do livro escolar através de empresas nacionais entre outras. (1995.p.7 - 8)

Esta Política foi autorizada pelo Conselho de Ministros através da lei nº 8/95 de Agosto de 1995 e será implementada pelo Ministério de Educação através dos seus Planos Estratégicos por sector, a nível nacional que através deles serão adequados aos programas dos governos locais a todos os níveis até a escola.

A principal contradição encontra-se no factor qualidade na formação de mão-de-obra e do cidadão em geral. Neste caso a política em uso não traduz os resultado esperados do processo educativo qualificado pois é realidade que este é um fracasso, que até já foi reconhecido pelo Ministro da Educação durante o IV Conselho coordenador do MEC[2].(Magazine Nacional.2008.p.14) e pelas agências de financiamento internacionais pela sua má qualidade.

A qualidade do sistema educativo deve abranger não só os currículos e programas de ensino como também a qualidade da formação dos professores. Mas, isso será suficiente?

Para Mendonça e Moussié (2007.p.1) no nosso país, as Políticas Públicas são determinadas pela gestão financeira e pelos patrocínios. Segundo eles, a formação de professores não é só determinada pela gestão financeira como também pelos seguintes factores:

  • Controle da despesa salarial;
  • A necessidade de contratar professores para alcançar o rácio 40:1, visto que há necessidade de professores qualificados para assegurarem bons resultados finais da educação mas também para o cumprimento das metas de desenvolvimento de longo-prazo;
  • A rápida expansão do sistema educativo básico e secundário e o facto de algumas escolas ainda terem um rácio de 72:1.

Estes factores determinam a estratégia de formação de professores, com escolaridade de 10ª e 12ª classes, no período de um (1) ano, não olhando para a qualidade do Professor que daí se obtém. Esta posição do governo, recorda-nos a medida tomada após a Independência Nacional, que num contexto histórico diferente do de hoje, foi necessário recrutar professores. Segundo Castiano (2005.p.47), o País passava por um período de vários desafios inerentes à mudança da política educativa elitista vigente até então que fora definida pelo Governo Colonial para uma política de massas a que o jovem governo devia construir novos estabelecimentos de ensino a todos os níveis, a contratação de novos professores, a concepção de novos programas de ensino entre outros. Acrescenta ainda que para enfrentar esta crise foi necessário recrutar novos professores e submeter a reciclagem[3] imediata dos “velhos”. - SNE (Lei número 6/92 de 06 de Maio)

Moçambiqu desenha políticas muito ambiciosas em termos de objectivos, bons e bonitos em termos de desenho e forma, mas, que não contam com quem vai implemtar.

Como dito no princípio, esta questão é polémica. É esse o pano de fundo da qualidade de ensino em Moçambique, as políticas preocupam-se em:

  • Construir cada vez mais escolas;
  • Aumentar os níveis de ingresso no ensino;
  • Apetrechar as escolas com material de ensino (embira ainda muito insuficiente!);
  • Aumentar o número de professores e a sua qualidade de formação.

E não se preocupam em:

  • Prover o executor principal das políticas educativas (o Professor) de condições de trabalho suficientes e a condizer com o tipo de exigências do processo de Ensino-Aprendizagem actuais (carteiras, livros, Tecnologias de Informação e Comunicação, etc.);
  • Prover o executor principal das políticas educativas (o Professor) de condições de vida suficientes e adequadas ao tipo de trabalho que executa (formar o Homem de Hoje e o Homem de Amanhã).

Vamos explicar um pouco?

1.1.         Condições de Trabalho

O professor Trabalha com um Plano Curricular muito bem desenhado, actual (que valoriza os pé-conhecimentos do aluno, que valoriza as competências do aluno e não os objectivos como metas, que considera o aluno como sujeito activo da aprendizagem, etc.), mas, esse professor foi formado na base de um curriculo por objectivos e centrado no professor, que considera o aluno objecto passivo da aprendizagem (refere-se aqui, ao professor formado com base no antigo curriculo, até 2008, porque o novo currículo de formação de professores já está baseado em competências).

Esse professor não passou por nenhuma re-capacitação (porque já foi capacitado), não tem disponibilidade de livros, Tecnologias de Informação e Comunicação (Livros, Computador, Internet, etc.), não tem meios de transporte, etc. Também, tem uma carga horária excessiva (tem dois tempos lectivos por semana e por turma – para completar 24 horas semanais, deve ter 12 turmas. Cada turma tem no mínimo 70 alunos, o que significa que este professor tem no mínimo 840 alunos, porque o número pode ser muito superior a este!).

Desta forma, fica difícil para o professor planificar as aulas com base em competências e gerir turmas de até 100 alunos ou mais (as menos numerosas têm 70 alunos). Mais, se for uma disciplina prática, ele não terá condições, nem possibilidades de realizar aulas práticas com este número de alunos e carga horária.

1.2.         Condições de Vida

O professor (tanto o formado com curriculo na base de objectivos como na base de competências) deve esforçar-se em planificar e ministrar bem as aulas. A maioria dos professores esforça-se nesse sentido, porém, encontram um grande obstáculo (as suas próprias condições de vida).

Imaginemos que o professor está bem formado (o problema não está na formação - na verdade os professores são bem formados –, as instituições de formação de professores formam bem), planifique bem e seja competente: Ele planificou bem a sua lição ou as suas lições para as aulas daquele dia (já que para completar a carga horária ele pode ter turmas de classes diferentes ou disciplinas diferentes), acordou as 04:00h e visto os rendimentos dele não darem para um pequeno almoço as 04:30h, não tomou pequeno almoço), por causa da carência de transporte ele chega tarde (talvés, entre 15 a 30 minutos de atraso) amarfanhado e sujo, por causa dos aperto, empurrões e pisadelas no chapa. Começa a leccinar, passa o 1o, o 2o e, no 3o tempo sente fome (como é natural para os seres vivos) e fica um pouco murcho. Ele moralisa-se pensando que vai tomar lanche na Cantina da Escola já que está quase para o intervalo de lanche. De repente, lembra-se que não tem dinheiro para lanche. Volta a murchar (desta vez um pouco mais que da primeira vez). Volta a moralizar-se pensando que vai aguentar a fome para ir almoçar em casa depois de largar no fim da jornada laboral. Mais tarde (talvés já no intervalo), vendo outros (seus alunos principalmente, e alguns dos seus colegas mais sortudos – mais os que têm subsídios, os chefes) a lanchar e ele com fome e sem possibilidade disso, fica muito mais murcho ainda. Volta a moralizar-se pensando que vai aguentar a fome para ir almoçar em casa depois de largar no fim da jornada laboral. Porém, neste momento ele lembra-se que não deixou dinheiro para almoço em casa e que os filhos dele devem estar com fome também.

Como ele vai pensar daqui para a frente? As aulas dele serão iguais às do princípio? Quando ele largar vai pensar em aula prática ou actividade extra-curricular, de extensão, tema gerador, tema transversal, ou uma outra coisa qualquer?

Certamente, do 4o tempo para diante, as aulas não serão bem dadas, o professor estará nervoso, mal humorado, desmoralisado, cabisbaixo, murcho e sem paciência, apenas a espera de sair e ir a correr para casa, sem saber o que ir fazer quando lá chegar. De certeza, pode não chegar ao fim da jornada, para ir procurar algo para garantir a refeição lá em casa, a não ser que, por milagre, apareça alguém a oferecer-se para pagar lanche e dar algum dinheiro para ele ir providenciar refeição em casa. Se o professor pedir dinheiro ao seu aluno abastado para comprar pão para os filhos, vão dizer que é corrupto. Pedir algo para comer é ser corrupto ou ser mendigo?

Adicionalmente, o aluno, ao ver o professor sujo, amarrotado e desmoralizado, não quererá ser professor, pois, ninguém quer viver como mendigo (como o professor). Também não vai valorizar o estudo, pois, ele conclui não ser necessário estudar para ser rico. Em outras palavras, estudar é coisa para pobres, e, ele não quer ser pobre. Por isso o aluno não valoriza o professor, nem o ensino, jã que pensa que basta dar dinheiro ao professor para passar. E, como é que o professor vai negar receber esse dinheiro se ele precisa alimentar sua família e o seu salário não é suficiente?

Como queremos um professor eficiente desta forma?

Estas e muitas outras perguntas que foram colocadas neste texto (só para não ofender pessoas, não ferir sensibilidades), porque existem aos milhares, são para os políticos e os gestores da educação reflectirem e incorporarem nas suas políticas se quiserem melhorar a qualidade de ensino em Moçambique.

1.3.         As Políticas

A educação hoje em dia oscila entre ser considerada um bem público e um artigo comercial. Portanto, algumas políticas tentam fornecê-la e regular as suas funções, enquando outras procuram promover a iniciativa privada.

Verifica-se uma contradição no discurso do governo, no que está legislado e no que está em prática, que se reflecte na qualidade dos indivíduos formados. Fala-se de formar quadros com qualidade, mas o que se observa é o contrário.

É comum ver ou ouvir anúncios na televisão e na rádio e até ver afixado nas vitrinas de estabelecimentos de ensino a informar que o professor que tiver baixo aproveitamento perde a vaga no ano seguinte. Por isso, os alunos abastados e seus amigos não estudam porque sabem que o professor ganha mal, precisa de dinheiro e deve garantir o seu emprego (ele, recebendo dinheiro ou não vai dar nota para não perder o emprego). E, ao professor, o que lhe resta? O aluno não estuda, o professor não tem tempo para ensinar bem, por isso deve dar nota para garantir emprego, recebendo ou não dinheiro. Isto deve ser estratégia para manter as massas pouco instruídas.

O governo não paga salários condignos aos professores dizendo não possuir liberdade de opção, visto não possuir uma economia sólida que lhe permitiria pagar salários aos seus funcionários sem depender das agências financeiras internacionais, o que levou à adopção de estratégias pouco eficazes para alcançar os objectivos por eles mesmos definidos.

Entretanto, esses decisores têm até 15 carros de luxo na garagem, contas bancárias chorudas (avaliadas em milhões e até biliões de Meticais, milhares até milhões de Dolares), mansões e palácios, o que dá a entender que a economia moçambicana está a crescer. Até que estatisticamente está correcto: Por exemplo, se só 20 Dirigentes ou seus amigos, ou seus familiares, em Moçambique tiverem, no seu conjunto, 20.000.000.000,00MT no banco, em termos de estatísticas, para uma população de 20.000.000 de Habitantes, cada moçambicano tem 20.000,00 MT (20.000.000.000,00MT / 20.000.000 Habitantes = 20.000,00 MT/Habitantes). Conclusão, cada moçambicano tem 20.000,00 MT no banco. Então, está tudo correcto, o País está bem!

Se o que devia ser consumido por 20.000.000 de pessoas só é comido por 10 ou 20 pessoas, isso pressupõe má distribuição da riqueza.


2.      CONCLUSÕES

Neste artigo discutiu-se algumas questões e tipos de políticas para elevar o nosso nível de consciência das formas e consequências concomitantes das políticas. O facto do significado de política ser tão elástico cria um espaço considerável para a adopção de posturas e de manobras por aqueles que a propõem. Ela pode ser usada para fins sérios, mas alguns podem usá-la para propósitos simbólicos, de grupo ou até pessoais, em vez de fins nacionais ou do Estado.

O artigo não veio para responder as questões que afligem o sistema educativo em Moçambique, mas, levantar provocações (algumas com razão de ser e outras sem razão de ser) para os políticos tomarem em consideração nas suas análises e nos seus desenhos de políticas.

As várias questões aqui colocadas os políticos podem responder. Mas, também você que não é político pode responder.

Espero as respostas, opiniões, críticas, ideias sugestões, insultos, etc., de todos (políticos e não politicos).

 

 

 



[1] Política Nacional de Educação e Estratégia de Implementação.

[2] Ministério da Educação e cultura, realizado na Ilha de Moçambique em Agosto de 2008.

[3] A formação de professores durava em média de quatro a sete meses.